Guia de Sua Alma

Era um frio domingo de julho. Já se passavam das onze e o ar frio de São Paulo me acariciava, enquanto eu fumava meu cigarro na sacada. Eu andava muito pensativa esses dias, é verdade. Desde que ele me deixou eu não encontrara sentido pra vida, mesmo que isso tenha acontecido há quase 2 meses. "Não vamos mais pra frente Luiza, não adianta insistir!". Ele repetiu isso muitas vezes, mas ainda não me conformava. Olhava pras luzes dos prédios no horizonte. A cidade que nunca dorme. Eu morava naquele apartamento há 1 ano - desde que começara a faculdade de Engenharia - e nunca percebera como a vista era linda a noite. Mesmo um pouco obscurecida pela poluição paulista, era linda. Comecei a lembrar de todos os bons momentos que passei com Lucas naquele pequeno lar. Lucas, esse era o nome dele, o lindo garoto louro pelo qual me apaixonara. Involuntariamente as lágrimas me vieram aos olhos, e juntamente com a fumaça do cigarro, minha vista ficou turva ao ponto de eu não enxergar quase nada e a linda paisagem da selva de pedra tornar-se um borrão escuro. Eu não me permitiria chorar por ele mais uma vez. Ou melhor, chorar por nosso fim. Até que meu celular tocou, ao som de uma música há muito tempo não escutada. Era o toque que eu colocara pro Lucas e nunca tivera coragem de trocar. No mesmo instante meu coração palpitou e em seguida acelerou, num ritmo frenético que só era causado por aquele cara. Corri da sacada pro meu quarto, peguei o celular de dentro da bolsa e atendi, tentando (equivocadamente) parecer não me importar com a ligação.
- Já são quase meia-noite. - Eu disse, tentando disfarçar a felicidade com a grosseria.
- Eu sei Lu, mas preciso falar com você. Tem alguém aí? 
- Não, estou sozinha. Por quê?
- Preciso ir aí, sinto muito sua falta. Posso?
- Venha ué. Combinamos ser amigos não foi?
- É, isso aí. Estou indo, me aguarde! 
Não tive tempo nem de me despedir, ele já havia desligado. A meia hora seguinte foram as mais lentas da minha vida. Todas as motos que paravam em frente ao prédio eu já achava que era Lucas. Até que finalmente ele chegou, bateu na porta e eu atendi. Dei-lhe de cara um abraço-urso que eu não dava há muito tempo.
- Tenho saudades do seu beijo - Disse ele. Me assustei quando ele me disse isso. Ele que terminara comigo e ainda vem me remexer por dentro dizendo essas coisas. O que se passava nessa cabeça? Até hoje não sei!
- Tem? Pois é, eu também... Não pude terminar a frase, ele me beijou com todo seu ser. Esse foi nosso último beijo, e foi o melhor. Passamos a noite conversando e trocando elogios. Dizendo como sentíamos falta um do outro, enquanto tomávamos chocolate quente. Eu com o cabelo bagunçado e usando pijama. Eu não estava nem um pouco apresentável, mas ele me achava linda mesmo assim. Eram 2 horas da madrugada e eu morria de sono. Avisei-o e fui dormir. Ele disse que dormiria na sala, por mim tudo bem. Cerca de uma hora depois, acordei com ele se aninhando ao meu lado, dizendo que tivera um pesadelo e só se sentiria seguro se estivesse comigo. Achei que era só uma desculpa esfarrapada, mas deixei. Estava sonolenta demais pra dar bronca nele. Mas não era uma desculpa esfarrapada. Acordei as 8 horas pra preparar café e ficar decentemente arrumada pra quando ele acordasse. Ainda na cama, pousei minha mão sobre seu peito nu (ele dormira sem camisa) e senti-o frio. Frio como gelo, como pedra que passou a noite sob o sereno. Além de frio estava imóvel. Seu peito não se movia, como se não respirasse. Acordei desesperada, chacoalhando-o diversas vezes e nada. Tentei medir o pulso dele. Nenhum. Ele estava morto e morrera ao meu lado. Desde então tudo mudou. Todas as noites eu sonhava com ele em meio a escuridão gritando meu nome como quem pede ajuda. Achei que estava ficando louca em razão do trauma, comecei a tomar remédios psiquiátricos mas nada resolvia. Então resolvi consultar uma astróloga. Madame Eunice era o nome dela. Contei-lhe toda essa história trágica e após uma sessão um tanto intensa, ela me disse que meu destino era ajudar almas presas à terra irem "pra luz". Eu era uma guia espiritual. E após resolver meus problemas com Lucas (ou melhor, seu espírito), todos as almas de pessoas presas à esse mundo vêm até mim na esperança de ir embora em paz, sem ressentimentos. E é resumidamente isso que eu sou: uma pessoa que experimentou a dor de perder alguém com assuntos mal resolvidos, e só alguém assim pode ajudar as almas a seguir em frente. Apenas alguém como eu.

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