Ser Oco

Dizem que eu escrevo por sentimentos. 
Na verdade, escrevo por falta do que sentir. 
Simulando humanidades, fica cada vez mais fácil lidar com minha desumanidade. 
Com minha frieza estúpida que adquiri após anos de tentativas inúmeras - e tolas! - de negar meus sentimentos. 
Acabou que, por fim, eles é que me negaram. 
Abandonaram, para ser bem explícita.
 E eu achava que sofria com eles... 
Ah, eu não sabia que eram aqueles sentimentos incontroláveis que me tornavam sã. 
Era aquela euforia química e hormonal que me fazia estável. 
Agora, não reajo a nada nem a ninguém. 
Sem eles me sinto oca, inútil. 
Não tenho mais um pingo de empatia, não deliro mais nos balbúcios das paixões, não choro rios de lágrimas (seja por dor ou alívio). 
Digamos que a vida sem sentimentos tenha se mostrado algo tão banal que perdeu a própria essência de ser vida. 
Meu coração bate em meu peito num ritmo tão mecânico e cronometrado que perdeu todo seu encanto. 
Sou só mais uma máquina: a única coisa que me diferencia de uma carapaça de metal ambulante é que não funciono á óleo, mas sim a sangue. 
E se bobear, um andróide sente mais que eu. 
Já tentei de tudo para restaurar minha humanidade: provoquei a produção de adrenalina com esportes radicais; fiz o uso de tudo quanto é droga psicoativa; bebi litros e litros de todos os destilados (e não destilados) que se pode imaginar. 
Adivinhe só? 
Nada. 
Nadica de nada. 
Nem um pingo daqueles malditos - mas estimados - sentimentos. 
Então desisti. 
Cabe dizer aqui, caro leitor, que a única característica humana que ainda paira em meu vazio interior é o conformismo, sim. 
Me conformei a não ter sentimentos. 
Me acomodei a esse vazio e convivo com ele como se de nada valesse - e realmente não vale. 
Eu, sinceramente, não vejo ponto lógico algum em viver sem a instabilidade emocional e psíquica. 
Mas acontece que, como você já deve imaginar, junto com as sensações primárias, foram embora também as atitudes decorrentes dessas sensações. 
Eu não tenho mais coragem. 
Não tenho mais bravura. 
A única coisa que me compensa é que não sinto mais medo. 
Mas a ausência do medo não tem valia quando não há de vontade de se fazer nada. 
E eu não tenho. 
Nada.

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